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Fernanda Freixinho comenta nota da AJUFE


Em nota técnica a Associação dos Juizes Federais do Brasil se manifestou acerca de alguns pontos da proposta apresentada pelo ministro Sergio Moro.


Inicialmente, manifestou-se sobre a execução provisória da condenação após julgamento em segunda instância, no que se mostrou favorável integralmente à proposta. Igualmente, mostrou-se favorável à antecipação da alienação dos bens confiscados com o acórdão condenatório.


Os dois pontos acima estão relacionados ao princípio constitucional da presunção da inocência, não sendo possível, sob pena de afronta a esse princípio permitir qualquer tipo de execução ou alienação antecipada. A presunção da inocência é um dever de tratamento, não podendo ser mero argumento retórico.


A Constituição Federal expressamente prevê no art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.


A mudança proposta recentemente com a inovação legislativa, não tem o condão, por si só, de alterar a verdadeira regra processual constitucional inserida legitimamente. Aliás, por se tratar de uma regra constitucional não haveria espaço para outra interpretação constitucional, e, então, nem o próprio Supremo Tribunal Federal poderia fazê-lo como fez em seus recentes julgados. Seria necessária uma emenda constitucional para alterar a dinâmica atualmente estabelecida.



Além disso, o projeto pretende alterar a legislação aplicando a execução antecipada também a penas restrititivas de direito e multa, e, nesse particular, além das ressalvas acima, ainda existe posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em sentido diametralmente oposto.



O maior problema é comparar a nosso sistema processual com o de outros países, onde a dinâmica constitucional é bem diferente..


A AJufe opinou favoravelmente à alienação antecipada de bens confiscados, conforme o projeto, supostamente como forma de preservação do patrimônio. Pelos mesmos critérios acima, seria totalmente arbitrário dispor dos bens do acusado, sem que tenha havido o transito em julgado de sentença condenatória.



Plea bargain


Sobre as soluções negociadas a AJUFE em princípio não vê óbices à ideia geral, fazendo ainda assim algumas propostas de ajustes no texto legal apresentado.


Contudo, não podemos deixar de destacar que tais modelos violam o devido processo legal, na medida em que, estabelecem uma pena sem processo. Ademais, nem toda a população tem acesso à defesa material, como deveria, fazendo com que não tenha condições o acusado de avaliar efetivamente as implicações de aceitar ou não tal solução.

Mais uma vez, pretende-se a importação do modelo norte-americano (common law) ao nosso sistema que tem como base outro sistema (civil law). Esse sistema viola o princípio da indisponibilidade e obrigatoriedade da ação penal publica.

Além disso, a negociação sem qualquer instrução na fase processual legitima a prova produzida em fase inquisitorial, sem qualquer contraditório.


Pensar que o acusado irá aceitar de maneira voluntária é uma falácia total, como já vimos em institutos anteriores, tais como transação penal (lei 9099/95) e colaboração premiada. A experiência demonstra que será praticada, novamente, a justiça no atacado, sem qualquer critério, e que o mais fraco não terá condições efetivas para não aceitar o acordo, tendo em vista a ameaça de penas bem maiores, caso deseje tentar comprovar sua inocência. Não existe consenso, pois não há igualdade entre as partes, o que prevalecerá será um mero contrato de adesão, em que aquele que não aceitar assumirá um risco altíssimo.


O mais curioso é que a confissão volta a ser a rainha das provas, assim como na época do processo inquisitivo, onde a mesma era obtida mediante infalíveis métodos de tortura. Agora a confissão será obtida perante o juiz e o Ministério Público mas será que o âmbito de liberdade será maior do que no tempo do Malleus Malleficarum? Os novos tempos impõem que a ameaça seja feita de forma distinta, mas uma coisa não muda, aquele que está do outro lado está sempre do lado débil e com poucas condições de resistir a uma tentadora proposta de ficar preso menos tempo, e assim o acusado acaba aceitando docilmente, uma prisão muitas vezes injusta, não querendo se aventurar no processo. Nesse campo, o advogado que contraindica o acordo acaba sendo demonizado, ou ficando à margem do sistema. Tudo se resolve de maneira muito mais simples e aquela pessoa será apenas um número, despersonalizado que vai constar nas estatísticas.


Por derradeiro, também temos o problema prático no sentido de que será aumentada a população carcerária, em um sistema em que atualmente não há vagas disponíveis. Nesse particular, ao que parece o projeto virá a incrementar o debate sobre as famigeradas penitenciárias privadas.

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